Andréa Sumé

Aterrar

A mulher sagrada se prepara para o aterramento de suas visões.

Compreender os mistérios do feminino é um caminho sem volta, que exigirá da peregrina um tanto de confiança no que fica para trás e no que está por vir. 

Abandonar culpas, vitimizações e as estratégias inconscientes das coodepêndencias afetivas (tão viciantes ao padrão normótico de ser mulher), é um ato épico que não se tornará real até que a mulher compreenda o sentido do sagrado e a forma de se relacionar com este sentido.

Quando a mulher retorna aos antigos ritos e mitos que compõem o universo particular do feminino, seu coração é tomada por uma espécie de memória, um código ancestral, que estava perdido nas fendas do tempo. São como ruínas encontradas que estavam por centenas de anos cobertas pela mata.


Frente à frente com todo o medo que caracteriza o numinoso, o trabalho da mulher em recuperar as ruínas é tanto, que sabe-se da impossibilidade de faze-lo sozinha.

É neste exato momento que o elo do feminino se encontra em rodas e círculos, e juntas, de mãos dadas, diante das ruínas que compõe nossa história, damos conta da incrível tarefa que parecia impossível: restaurar essas ruínas e devolve-las como um poderoso monumento. 

Aqui completamos o caminho e estamos prontas para admirar, reverenciar e celebrar o sagrado lugar perdido que foi finalmente recuperado.

Ao longo de 11 anos trabalhando com grupos de mulheres, observo que muitas de nós farejamos sabiamente nossas ruínas mais não nos autorizamos a concluir as escavações. Paramos no meio do caminho, paralisadas de medo, e saímos correndo de volta para a segurança do ninho, para o colo das relações tóxicas ou dependências emocionais, que são sintomas de uma neurose tão “normal” aos olhos do sistema que vivemos. 
Não estando na companhia da matilha, essencial para realizar essa travessia, abortamos mais uma vez a missão de parir nossa natureza e recuperar quem verdadeiramente somos.

Presencio também a potência histórica que faz do gênero feminino a concentração da mais absoluta alquimia. Aquelas farejadoras irmãs, que vão até o fim das escavações de si e concluem no grupo sua poderosa travessia. São elas o próprio monumento. Sua relação com o sagrado se torna consistente e nada fantasiosa. 
Lobas, felinas, protetoras e assertivas. 
A magia que envolve essas mulheres é capturada pelos quatro cantos do espírito e elas estão finalmente em paz com sua natureza.

A sabedoria das antigas tradições nos contam que, somos nós, as mulheres, guardiãs do sentido sagrado que move a humanidade. Para cada mulher que recupera o desejo de finalizar as escavações de suas ruínas, gerações inteiras são sanadas.

Ceder ao medo e paralisar a busca é uma violência tão absurda quanto a inquisição que vivemos.

Para que nossas visões sejam de fato ancoradas no mundo, precisamos transgredir a violência e compactuar com os poderes fundamentais que regem o feminino: compartilhar, alimentar, gerar, parir e transformar. São esses alguns de nossos milenares saberes que levamos na alma.

Profetizas de um tempo novo, nós somos aquelas que guardam os Ciclos da Terra e da Lua no nosso ventre. Os homens são nossos filhos e somos nós as mães do mundo. Damos nascimento e cuidamos da criação da humanidade.

Cabe a cada uma de nós avaliar se de fato tamanho poder está em nossas mãos. Ou se ainda cumprimos o trágico destino de caminhar sem a consciência do magnífico.

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