Quem me cobre são as folhas.
Sou filha da terra e estou vestida de sol.
A mente está nua e não cabe mais pequenez nenhuma.
Posso ver largos horizontes e dou passos bem maiores que o encaixe dos quadris permite alcançar. É assim que acho minhas asas e vôo pela terra como se ela própria fosse o céu.
Voar é ouvir a voz que mora na caverna do coração. Aprendi com o vento que é no encontro do som com o ar que se constrói as asas translúcidas que temos. Do movimento que executo e da música que canto, posso existir em múltiplos mundos sem perder nenhuma fagulha de mim.
Estou cheia de retalhos. Sou um mosaico bem tecido pelos padrões firmes e autênticos da história de onde venho. Não nego nenhum pedaço de que pertenço.
Absolutamente frágil e profundamente intensa, às águas mornas da natureza líquida de que sou é mistura mansa de sal e doce. Quando chega o trovão e me enfureço , posso sentir onde arde as durezas de mim. Não me comovo mais com as tempestades que movimentam drasticamente minhas águas. Aguardo com respeito o tempo que passe e traga junto dele a beleza de novos avistamentos .
Sim, desbravo com certa luxúria a pobreza que mora no espírito humano. Não ignoro a riqueza preciosa que cabe na alma, mas somente posso reconhece- la se atravessar todos os dias o deserto que mora dentro de mim .
Sou pó e lapso. Instante breve na dança da vida que eterniza um belíssimo ato.
Me acho como flor , meu espelho é a lua e as curvas da montanha são também meu corpo que não se cansa de respirar. Inspiro pureza, sou natureza.
Sou de doer e de doar . Busco no sentido do desejo o suficiente para que se conclua a atitude de amar. Amo onde passo. E passo o pano limpo do amor que lustra a poeira e traz o brilho novamente onde antes o fosco dominava.
Faxino cantos escuros da alma, encontro demônios e desenvolvi a estranha habilidade de conversar com eles. Aprendi com tantos encontros e diálogos, que os demônios são uma espécie de Deus, e são eles que tem a chave para abrir um novo estado de consciência.
Amiga do bem do mal, sou humana e meus valores estão afinados com a sintonia sutil que transcende a moral e os bons costumes.
Sou bruxa.
Camuflada pelas folhas que me protegem, é aqui, no mato da alma, que me tomo como raiz e posso ver além de mim.